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Em ‘Meu Pai’, resta ao espectador admirar a arte de Anthony Hopkins

Existem duas maneiras de ver “Meu Pai”. A primeira é clínica —estamos diante de Anthony, um senhor idoso já tomado pela demência, vivido por Anthony Hopkins, em suas delicadas conversas com a filha, interpretada por Olivia Colman.
Nesse caso, temos um tema da atualidade, já que a média de idade tem crescido muito nos últimos tempos – Covid à parte – e a senilidade se torna, senão comum, ao menos um fantasma na cabeça de cada um. Tanto pais quanto filhos temem as situações aflitivas e trabalhosas próprias do envelhecimento, sem falar do Alzheimer. Nisso é bem possível que invista o dramaturgo e romancista francês Florian Zeller, em seu primeiro filme como diretor. Para adaptar a peça que ele próprio escreveu, obteve a colaboração de outro dramaturgo, o igualmente célebre britânico Christopher Hampton. Com a diferença de que Hampton tem mais experiência com cinema.

Olivia Colman e Anthony Hopkins em cena do filme Meu Pai, que estreia hoje (Reprodução/IMDB)

O filme nos leva a participar da loucura, simplificando, de Anthony, desde a confusão que faz entre as pessoas e os horários do dia, até os repentes de raiva em relação às pessoas que se ocupam dele. De algum modo, o filme pretende estar no interior da cabeça de Anthony, embora guarde lugar, habilmente, para sua filha e outros personagens, reais ou imaginários – ou ainda, reais e imaginários – que o cercam. O interesse central do filme, nesse caso, repousa sobre a hábil articulação entre delírio e realidade, com a eventual superposição dessas duas instâncias na cabeça danificada de Anthony. Isso é o que perdura por quase todo o filme.

A segunda maneira de ver “Meu Pai” é um pouco mais ampla e diz respeito a um mundo, o nosso, onde os limites entre fato e ficção, verdade e mentira, imaginação e realidade se tornam cada vez mais vagos. Vista assim, a doença de Anthony é um pouco a de todos nós, que não sabemos exatamente no que acreditar quando diante de fake news (nem todas são óbvias, digamos que era possível acreditar de boa fé em várias notícias saídas da Lava Jato, antes que sinais de manipulação de processos se tornassem evidentes).

A partir de então, o labirinto mental de Anthony se torna metáfora de um mundo labiríntico, cujas variáveis nos escapam a todos, tal a vertiginosa evolução das comunicações e, ao mesmo tempo, dos segredos que envolvem governos e corporações. Essa segunda maneira dá maior amplitude ao tema, mas infelizmente se esgota em pouco tempo. Basta nos darmos conta de que estamos num jogo cujo objetivo consiste mesmo em misturar o imaginário e o real, tempos presentes e passados, com um tema de atualidade pela frente, para garantir a operação.

Nesse caso, depois de uns dez minutos nos damos conta de que “Meu Pai” não é mais do que um “O Ano Passado em Marienbad” mastigado. Desde então resta ao espectador, essencialmente, admirar a arte de Anthony Hopkins, que consegue ser ele mesmo e um outro a cada filme com desenvoltura de fato impressionante. (Podemos no limite imaginar como seria este filme se dirigido por Alain Resnais, não o de “Marienbad”, mas esse, mais teatral e lúdico, menos realista e infinitamente menos acadêmico do que este dirigido por Zeller. Mas isso já não diz respeito a um mundo ilusório; é apenas sonhar acordado.)

MEU PAI

Avaliação: Regular
Quando Estreia: nesta quinta (8)
Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Mark Gatiss
Produção: Reino Unido e França, 2020
Direção: Florian Zeller

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