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355 mil vidas: em um ano, Covid dizimou uma população semelhante à de Franca

Imagine a população inteira de uma cidade do porte de Franca morrer em pouco mais de um ano. Trezentos e cinquenta e cinco mil pessoas. Este é o número de vidas perdidas pela Covid-19 no Brasil ao longo dos últimos meses. São sonhos, esperanças e histórias dizimados pela pandemia. Pais, mães, filhos, irmãos, netos, avôs, tios, primos e amigos que não puderam sequer se despedir de seus entes queridos. O número de mortes provocadas pela Covid é equivalente ao da população inteira de Franca. A cidade também sofre com a pandemia e perdeu, até ontem, 466 pessoas vitimadas pela Covid. O mês de março, com 97 mortes, foi o mais mortal na cidade até o momento. Coincidentemente nesta noite de terça-feira o vereador francano Gilson Pelizaro (PT) também comentou o fato de o número de vidas perdidas serem praticamente uma Franca inteira enquanto discursava na Câmara Municipal.

Outro dado nos mostra o tamanho da tragédia diária que estamos enfrentando. O atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, considerado o maior de todos os tempos e que causou comoção em todo o mundo, matou cerca de três mil pessoas.  Essa é atualmente a média diária do número de mortos no Brasil. Todos os dias, o País está sofrendo um “ataque” semelhante ao ocorrido no World Trade Center.

Enquanto as mortes crescem dia a dia no Brasil e a vacinação contra a Covid-19 avança a passos lentos, autoridades lutam para que a população coopere e evite aglomerações, use a máscara e álcool em gel e fiquem em casa sempre que possível.

Recentemente o médico da Vigilância Epidemiológica de Franca e membro do Centro Municipal de Enfrentamento ao Covid, Homero Rosa Júnior, falou com a Folha de Franca sobre o perigo do Coronavírus e como é preciso se proteger contra o vírus. “Não dá mais para brincar com o vírus. Se cada um não fizer a sua parte, se proteger, não se expor e não passar para os outros não sairemos dessa situação e, ao contrário, vai piorar muito”, disse, à época. 

O drama da pandemia fica ainda maior quando pensamos que por traz de cada um desses números que tanto nos assustam, existia uma pessoa com sonhos, com planos e que foram retiradas bruscamente de suas famílias, que ainda choram essa tragédia. 

Despedidas

Entre os 355 mil casos de pessoas que morreram no Brasil em decorrência da Covid-19 está o encanador José Luís Robles, de 63 anos.  Ele morreu em setembro e, até hoje, a família se vê devastada pela dor.

A filha Heloísa junto com seu pai José Luis (Reprodução)

“Ele não teve nenhum sintoma de Covid, sentiu mal-estar no estômago”, disse a cunhada dele, Lúcia Sardanelli, que tem familiares em Franca.

José Luís buscou atendimento na Upa (Unidade de Pronto Atendimento) de Taquaritinga, onde morava com a família. “Lá ele teve um desmaio, mas o médico disse que não era Covid. Mesmo assim fizeram exame de Covid, porque era praxe, e deram alta. Ele voltou pra casa. No dia seguinte foi a UPA de novo e, de novo, foi liberado. Como ele não passou bem, foi no médico e fez uma endoscopia. E acabou internado por conta do estômago; não sabia, mas estava com Covid”, disse ela.

Foi durante a internação que José Luís recebeu o resultado positivo da Covid. Em dois dias, no dia 1º de setembro, ele já foi pra UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Em apenas cinco dias, no dia 6 de setembro, ele, que tinha diabetes (comorbidade que é considerada agravante para a Covid-19), morreu.

José Luís Robles era casado com Luzia Sardanelli Robles há mais de 30 anos e deixou três filhos. A mais nova, Heloisa Robles, postou homenagens emocionadas para o pai no Facebook.  A primeira foi feita logo após a morte:  “Meu pai… Infelizmente a nossa vontade não coincidiu com a de Deus. E você partiu deste plano terrestre… Espero que pra um lugar lindo, porque você merece o descanso, muita luz. Pai, obrigada por todo seu amor, carinho, dedicação e batalha por todos nós. Você não merecia passar por tudo isso, mas infelizmente a gente não sabe dos planos de Deus. Infelizmente você foi uma vítima desse vírus e não pudemos ajudar, nem mesmo se despedir. Eu prometi que você sairia dessa, e não pude cumprir…Eu te amo eternamente… Desculpe por todas as vezes que não aproveitei a sua companhia ou te magoei de alguma forma… Um dia a gente vai se encontrar e eu vou poder te abraçar e dizer o quanto eu te amo. Cuida de mim e de toda nossa família, de onde você estiver”, escreveu.

“Meu pai… Infelizmente a nossa vontade não coincidiu com a de Deus. E você partiu deste plano terrestre… Espero que pra um lugar lindo, porque você merece o descanso, muita luz.”

Depois, quando a morte do pai completou um mês, ela mais uma vez escreveu sobre a dor que estava sentindo “E como o tempo passa, passa e deixa um vazio. Um mês sem você, sua companhia, seu carinho, seu jeitinho, seu sorriso, suas brincadeiras. Um mês sem você do meu lado… Não há palavras que descrevam a falta que você me faz. E como já dizia Tim Maia ‘Não sei por que você se foi, quantas saudades eu senti e de tristezas vou viver e aquele adeus não pude dar…’ Eu te amo eternamente ”.

“Não pude sequer tocá-lo pela última vez”

Leandro Silva Barbosa, 41 anos, morreu na noite do último sábado, 10. Ele também uma das 355 mil vítimas que a Covid fez neste um ano de pandemia.

Ele morava em Franca e há dois anos se mudou para Uberaba (MG), onde morava com sua mulher, Roberta Brandão, que ainda tem família em Franca.  É ela que, em depoimento à reportagem, contou de forma pungente como foram os últimos dias, desde que o marido foi contaminado.

“Meu marido começou a se sentir mal em uma terça-feira com uma leve tosse, na quinta-feira a tosse cessou e veio a diarreia, no dia seguinte dores no corpo e febre. Quando ele começou com a febre tivemos certeza de que era Covid… Foi pra atendimento e imaginamos que já fariam o exame para Covid, raio-x e que sairia medicado de lá, mas não foi assim. Chegamos por volta das 14 horas, esperamos por atendimento até 21h30. Ele perdeu a paciência, pois estava com dores pelo corpo, febre e estava com fome, depois de mais de 6 horas de espera, não consegui convencê-lo a aguardar mais pela consulta e fomos embora.

Fizemos o exame da Covid em uma drogaria. Pensei que com o teste positivo em mãos, o tratamento seria diferente, mas, de novo, não como esperávamos. Chegamos na UPA às 13h30, ele passou na triagem colocaram uma pulseira de ‘muito urgente’ nele, mas, ainda assim, ele só foi atendido as 21 horas. O médico disse que tudo que ele estava sentindo era o organismo dele brigando contra o vírus e que se ele aguentasse passar 4 dias estaria livre do vírus. Ele tomou soro com medicação para baixar a febre e saiu de lá totalmente desnorteado, tonto, fraco, pálido e com muitas dores pelo corpo, sem nenhum tipo de encaminhamento. Em casa ele jantou, foi se deitar e amanheceu na quinta-feira tremendo de febre. Como o médico havia dito para ele aguentar 4 dias, ele não quis ir ao hospital.

Mas como ele não melhorou, marquei uma consulta particular para ele. Depois dos exames, o médico disse que o caso dele era extremamente grave e que agravava a cada hora. Isso foi na sexta-feira, dia 2 de abril. Vi meu marido com vida neste dia pela última vez. Ele já estava na máscara, pois já não estava conseguindo respirar. Eu disse a ele que guardasse todas as suas energias para que pudesse se recuperar, que o amava e estaria cuidando de tudo, aguardando ele voltar pra mim. Naquele mesmo dia ele foi levado para a UTI, onde já foi sedado, intubado, e lá ficou por 9 dias torturantes para nós da família. O médico dá informações apenas por telefone, uma vez ao dia. Não podíamos vê-lo nem de longe. Ficávamos todos juntos na hora do boletim médico, comemorávamos a cada nova informação ou ficávamos apreensivos, sem perder a fé. A febre não cessou e no dia 10 as 22h30 o hospital me ligou para ir lá, e recebi a notícia que tanto temia, meu marido tinha falecido.”

Roberta Brandão e seu marido Leandro Barbosa numa foto de lembrança do Facebook, a primeira que os dois postaram juntos nas redes sociais no início do relacionamento (Reprodução)

“Pedi para vê-lo. Ele estava já em um saco preto, não pude sequer tocá-lo pela última vez. Fiquei imaginando como ele deve ter lutado e ao mesmo tempo como deve ter sido sofrido para ele. A dor continua a crescer, porque não é permitido o velório. O corpo sai do hospital naquele saco reconhecido apenas por uma plaquinha, é colocado no caixão e segue diretamente para o cemitério, para o sepultamento, em caixão lacrado. Uma despedida de 15 minutos, para poucas pessoas e fim. Acabou assim. “

Ver a mãe dele pedindo para ver o rosto do filho pela última vez foi, de novo, torturante. Por todos esses motivos, peço a todos que tomem cuidado por si e pelos outros, pois é muito grave e sério o que estamos passando. Quanto ao meu marido, tive o melhor companheiro, passou pelos anos mais difíceis da minha vida ao meu lado, sem soltar minha mão. As últimas palavras dele pra mim foram que me amava e que tinha medo de ir e não voltar, que queria ficar do meu lado. Sei que tenho que continuar, mas não sei como será. Estou indo um dia de cada vez”.

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