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Lulu do Canavial e o milagre de Natal (Parte I)

Inhaim?

Ligaram-me do shopping de uma cidade maior a uns 100 quilômetros daqui. Desde 1999 faço bico de assistente de Papai Noel no Natal. Não é porque eu gosto, não, é por dinheiro mesmo. Titia Herodes não é chegada em criancinhas. Era a mulher da agência avisando que o meu lugar estava garantido, mas que no outro dia eu tinha que ir passar por uma dinâmica de grupo para selecionar 8 assistentes. Eu era uma delas. Todo ano eu tava lá.
Ganhava R$ 800, transporte, marmitex, com sobremesa – um dia era laranja, no outro era banana, no outro dia era banana e no outro laranja – e, de lanche, pão com manteiga com suco Frik. Fiquei animada. Emprego garantido. Era pra trabalhar de 10 da manhã até 10 da noite, com duas horas de almoço do lado de fora do shopping, junto com os peões.

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Chamei a Lolosa para ir comigo na dinâmica de grupo, quem sabe ela não conseguia um bico, mas uma vaga já era minha. Pegamos um busão às seis da manhã que fazia “bardiação” nas cidadezinhas. Chegamos às oito. Pegamos um circular e lá estava o Besta’s Shopping (que não tem corredor fechado e acha que é shopping). A fila era quilométrica para a dinâmica. Umas 200 mulheres, gordas, desdentadas, magras demais, com o cabelo igual manga chupada. Tinha de tudo. Entramos na fila. No sol. Eu de vestido de bola com um sapato vermelho e lenço amarelo amarrado na cabeça. Tudo por 800 “real”.

Chegou nossa vez de fazer a dinâmica de grupo. A dinâmica, na verdade, é para saber quem é menos retardado que o outro. Colocaram a gente numa sala e fizeram a gente dançar a música da Xuxa “Vamos brincar de índio”, depois fizeram a gente ficar em círculo e dançar “Ciranda, Cirandinha”, depois adivinhar o que tinha dentro de uma caixa preta. Botaram ovo, cobra e perereca de plástico, Bombril (eeeeeeeeepa), língua de sogra, alicate, pudim, pote de graxa. Escolheram 50. A supervisora, claro, piscou para mim: estava entre as 50 da entrevista. Passei. Dei meu tipo sanguíneo, disse que tinha experiência como babá (mentira), que não tinha nada (osteoporose, mas não precisava falar). Passei de primeira. Estava empregada naquele shopping lindo, cheio de bolas de Natal saindo do teto, cheio de luzes. A Lolosa, de tão burra, tomou bomba: falou que tinha abortado. Uma anta.

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Já que a gente tava num shopping caipira (não tinha cobertura, era a céu aberto), resolvemos dar uma gastadinha. “Lolosa, vamos comer um “mékidonalds? Nunuca comi”. Lolosa topou. Pedi um tal de “mékimelt” (achei o nome bonito. O olho da cara, umas uma vez na vida…). Achei horrível: um pão preto e uma carne que parecia minhoca. Depois dividimos um sorvete “sandei”, uma lambia de um lado e a outra do outro lado.
Resolvemos ir ao cinema. O filme se chamava “A Freira”. Ah, devia ser bonitinho. Deve ser uma noviça. Era um filme de terror, um horror, mijei nas calças. Morro de medo dessas coisas. A Lolosa teria que dormir no barraco comigo. Tinha fantasma.

Ainda faltava um exame médico (para ganhar uma merreca, o médico tem que olhar). Tinha medo de uma pinta preta no ombro. O médico olhou e falou: “Tenho um ótimo remédio para isso: álcool”. Pegou um algodão, molhou no álcool e passou na pinta. Ficou branquinho. Era macuco…

Luciene Garcia

É jornalista e criadora da personagem Lulu do Canavial.

2 Comentários

  1. Minha cara Luciene,
    Acho um barato às aventuras da Lulu, me lembra um pouco os quadrinhos da Rê Bordoza.
    Gosto do jeito irônico, simples e escravidão que você escreve para dar vida ao personagem.

    Parabéns ! Sou teu fã.

    Hélio França

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