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Uma especialista em Arte Sacra, em Franca

Você sabia que há em Franca, uma artista plástica especializada em Arte Sacra?

Ana Cláudia Gomes Querino, de 50 anos, cirurgiã-dentista, formada pela USP-Ribeirão Preto há 29 anos, atuando na área de Implantodontia desenvolve, paralelamente ao consultório, um trabalho belíssimo com Arte Sacra em estilo Barroco Mineiro, há mais de 10 anos, a partir de talento, sensibilidade e importantes formações na área, como mostram as imagens abaixo.

“Tenho feito inúmeros cursos, estudos e pesquisas das diversas técnicas e materiais usados no Período Colonial. Desde muito cedo me interessei por arte, fiz vários cursos de pintura, bordado, artesanato na infância e adolescência. Penso que a opção pela Odontologia também teve uma forte influência do meu interesse por trabalhos manuais. Nos últimos 10 anos, fiz cursos de Restauração de Arte Sacra, Policromia Barroca, Douramento, Desenho de Flores Barrocas, Técnicas de Sgrafitto e Pastiglio, Carnação de Imagens Sacras, Iconografia e Hagiografia, História da Arte, entre outros,” explica ela.

Leitora de Rodrigo Naves, ela o cita , em A Salvação pela Pintura:   `(…)Gostar de arte é um privilégio. Pode-se muito bem viver sem ela, mas alguma coisa definha em nós (…)’.

“Isso fez muito sentido para mim. Durante a pandemia, além de me dedicar mais à pintura, pude realizar um projeto que tinha há tempos, fazer um curso mais aprofundado de História da Arte, aprender mais sobre os grandes mestres, os estilos, análises de obras. Me senti privilegiada mesmo, em passar essa época tão difícil e triste com tão nobres companhias. Gostar de arte proporciona uma camada nova de brilho a vida, eleva a alma”, comenta.

Na entrevista que segue, Ana Cláudia nos conta sobre o seu percurso de formação e especificidades do universo de seu fascinante talento.

Folha de Franca – Como a arte sacra chegou, como interesse artístico, à sua vida? Quando começou a ensaiar as primeiras pinceladas?

Ana Cláudia Gomes Querino  – Na adolescência, eu li um livro sobre a restauração de um quadro antigo, O Quadro Flamengo, fiquei fascinada com as descobertas que a análise de uma obra de arte possibilitavam; aquilo abriu um universo para mim, procurei me informar mais sobre o tema, mas estava em um momento de dedicação exclusiva aos estudos e ao início profissional. Muito tempo depois, li uma entrevista com um dentista brasileiro que tinha se tornado um conceituado restaurador de arte e fiz contato com ele por rede social. Ele me indicou alguns cursos e livros, mas eu não tinha disponibilidade para fazer cursos longos fora devido ao trabalho no consultório, então encontrei um curso de Restauração de Arte aos sábados, na Casa do Restaurador, em São Paulo, cuja professora também era dentista. Tive muita facilidade, por conhecer bem os materiais e instrumentais odontológicos que também são usados na Restauração.  Frequentei por 2 anos essa formação, foi o início do caminho, não parei mais de estudar e nesse aprendizado descobri que poderia criar minhas próprias peças, que tinha habilidade para a policromia.  Como visitava Ouro Preto (MG) com muita frequência, tinha bastante contato com a Imaginária Barroca e procurei aprender as técnicas usadas no Período Colonial, fotografava as imagens para copiar os desenhos, as cores mais usadas. Também fiz muitos cursos no Museu de Arte Sacra de São Paulo, que possui um acervo lindo e é um local acolhedor, com uma administração muito dinâmica que sempre promove exposições, cursos e viagens de estudo .

Folha de Franca – Fale mais sobre os cursos que fez em Ouro Preto (MG) e a sua relação com as cidades históricas.

Ana Cláudia Gomes Querino  –

Em Ouro Preto e Mariana tem muitos pintores, escultores, policromistas e nós sempre visitávamos os ateliês para conhecer os artistas e as obras. Em Tiradentes, conheci um casal de mestres douradores de Madri que viveu lá alguns anos e aprendi a técnica secular de douramento à água com ouro verdadeiro com eles. Depois fiz vários cursos com uma artista muito talentosa de Ouro Preto que atualmente está se especializando na Itália. Ela me ensinou as técnicas de douramento à mordente, o sgrafitto, pastiglio, o preparo das têmperas, incrustação de pedras e também me apresentou escultores que me possibilitaram entrar no mercado para mostrar meu trabalho.

Desde que conheci as cidades históricas de Minas, senti uma atração inexplicável, como se ali fosse meu lugar. Especialmente com Ouro Preto onde, eu e meu marido realizamos o sonho de nos casarmos em uma Igreja Barroca, a Matriz de Nossa Senhora do Pilar.  Há poucos meses, descobri que os antepassados de minha mãe vieram de Portugal no século 18 e se instalaram em São João Del Rey (MG), então meu amor por essa região deve ser uma memória do DNA. Para mim, estar lá é fazer uma imersão na arte barroca, é voltar ao passado, respirar o ar da época áurea da arte mineira.

Folha de Franca – Quais são suas influências nas artes visuais?

Ana Cláudia Gomes Querino  – O Barroco é a arte da Contra Reforma, surgiu na Itália  no final do século 16 como uma reação à Reforma Protestante. Na pintura, o principal expoente também é meu favorito, Caravaggio, com seus fortes contrastes de luz e sombra, dramaticidade, naturalismo. Também sou encantada pelas obras de Artemísia Gentileschi, uma pintora caravagista que retratou mulheres fortes com maestria. No Brasil, o estilo teve forte influência espanhola e principalmente, portuguesa, mas adquiriu características próprias devido à mão de obra dos artesãos indígenas e africanos, que enriqueciam o trabalho com novos elementos. A dificuldade de acesso a materiais e modelos também aguçou a criatividade. Tudo isso contribuiu para a conformação de uma identidade própria. O Barroco Mineiro é único, não é uma cópia do estilo europeu. O grande nome da policromia brasileira é Mestre Athaíde, o mineiro que viveu no século 18  realizou policromias de várias imagens esculpidas por Aleijadinho, além de pinturas de forros de igrejas e  pinturas parietais nas cidades históricas de Minas e também no Rio de Janeiro. Outra referência é Veiga Valle, que viveu no século 19, em Goiás e deixou uma obra espetacular.

Entre os contemporâneos, temos dois grandes mestres em Mariana (MG) ainda em atividade, Helio Petrus e Elias Layon. Aprendo muito acompanhando a produção deles.

Folha de Franca Por que especificamente a arte sacra?

Ana Cláudia Gomes Querino  – Comecei me interessando por Restauração de Arte em geral mas durante o aprendizado me encantei com a escultura devocional por vários motivos:  por conhecer bastante o acervo das cidades históricas mineiras, por ser procurada com frequência para restaurar imagens quebradas, com desgaste da pintura, partes faltantes (quase todos têm um santinho com valor sentimental). Mas também, por ter uma forte memória emocional ligada à infância, minhas avós eram muito devotas, minha mãe também, e eu participava com elas de procissões, terços, novenas e sempre ajudava a enfeitar os oratórios para colocar as imagens que passavam pelas casas.  Os santos sempre estiveram muito presentes em minha vida. Meu marido também gosta bastante e estamos sempre garimpando imagens em antiquários.

Folha de Franca Conte sobre o trabalho de restauração. Como é? Quais já fez?

Ana Cláudia Gomes Querino  –  Meu foco atual é a policromia de imagens de madeira entalhadas à mão encomendadas por colecionadores, antiquários, galeristas, onde utilizo diversas técnicas e materiais como o douramento em ouro 22 k ou em ouro finto, o sgrafitto (arabescos feitos com palitos raspando a têmpera para mostrar o douramento embaixo) , o pastiglio (alto-relevo), o rendilhado, a incrustação de pedras, os florais barrocos, a colocação de olhos de vidro.  Além dos santos, trabalho com oratórios, molduras, castiçais, peanhas, arabescos decorativos. Também faço alguns trabalhos de restauração de imagens desgastadas, quebradas, com partes faltantes. A restauração de imagens devocionais particulares tem um enfoque diferente da restauração museológica onde não se deve interferir no trabalho artístico original, apenas conservar. Os santos de devoção geralmente são repintados de acordo com a expectativa do proprietário, mas sempre respeitando a iconografia e o estilo.Para oferecer uma opção mais acessível, também faço imagens em gesso, que tem um custo bem menor que a madeira esculpida à mão.Publico meus trabalhos realizados no Instagram @anaclaudiaquerinoartesacra 

Folha de Franca – Fale sobre as especificidades dessa arte e também sobre a guarda da Arte Sacra no país. Como estão os aspectos de preservação da memória artística? Você tem essas informações?

Ana Cláudia Gomes Querino  –  O patrimônio artístico mineiro é riquíssimo, além das cidades históricas mineiras mais conhecidas e turísticas como Ouro Preto, Mariana, Tiradentes, São João Del Rey, Diamantina, Congonhas, Sabará, encontramos igrejas que possuem obras de grande valor artístico e histórico em muitas cidadezinhas, distritos e vilas da região, como Caeté, Catas Altas, Santa Bárbara, Ouro Branco, Glaura, o Santuário da Piedade, do Caraça e muitas outras.  Podemos admirar as imagens policromadas, a talha dourada, os forros e pinturas parietais, a escultura em pedra sabão, a arquitetura das igrejas.   É certo que muito desse patrimônio foi perdido por má conservação, roubos, falta de recursos, mas hoje existe um forte sentimento de preservação nas comunidades, uma conscientização do valor histórico do acervo que guardam. Ainda há muita carência de recursos, o ritmo da degradação é maior que o empenho oficial em investir na preservação. Mas tem acontecido boas iniciativas.  Há vários museus muito bem estruturados, o envolvimento de universidades, pesquisadores e conservadores, e principalmente, o trabalho incansável de pessoas da comunidade que dedicam a vida às igrejas, que zelam por suas obras com uma dedicação comovente. É muito bonito ver que o patrimônio é vivo, é usado, faz parte da vida das pessoas, sempre tem uma procissão, uma celebração, uma festa em homenagem aos santos acontecendo. 

Vanessa Maranha

É Psicóloga, Jornalista, Escritora Premiada, colunista da FF.

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