Inspirados

Um amor de doutor

Portelada.

Assim é que eu ouvia a todos o chamarem, como se íntimos dele fossem.

O título de doutor, costumeiramente outorgado ao médico, de vez em quando escapava da boca de algum desavisado do tamanho de sua alma e da largueza de seu espírito humanitário.

Eu mesmo, no início da carreira de advogado no Direito Previdenciário, ramo de proteção aos enfermos, inválidos, valetudinários, vencidos pela idade, órfãos e viúvos, amputados e aleijados, deficientes (e eficientes de habilidades intangíveis), desempregados involuntários, contaminados e intoxicados por agentes insalubres de seus locais de trabalho e particularidades de suas atividades e ofícios, pude entrar na fila de seu frondoso e caridoso jeito de clinicar.

A traumatologia lida com o trauma e a ortopedia com a preservação e o restabelecimento funcional de ossos, músculos, ligamentos e articulações e ambas têm como objetivo conferir qualidade de vida aos pacientes. Verdade.

Quem de nós não apresenta desgaste de coluna, hérnia de disco, bico de papagaio (osteófitos ou osteofitose, na língua médica, e para valorizar o custo do tratamento), problemas de articulações?

Os meus clientes, em sua maioria, lá, como cá, desfiavam rosários de queixas dessa ordem, maiormente decorrentes de posturas inadequadas e até de acidentes domésticos.

Para afastar do trabalho o contingente invejavelmente grande de clientes, tinha eu que fazer destes clientes pacientes de um bom, cuidadoso e sensível médico versado na ortopedia e na traumatologia. Da rede pública de saúde, com certeza!

Marcar consulta já era difícil há vinte, trinta anos.

A saída estava na porta de entrada da centenária Santa Casa de Franca, ali pelo setor dos quebrados, perdão, da ortopedia, por onde o Portelada passava. Ele veria o agora paciente, daria ouvidos a ele e, ainda que o consultasse com os olhos, de pé mesmo, na área de espera das consultas e de procedimentos, faria e entregaria uma declaração ou laudo garantidor e esclarecedor da incapacidade do examinando desprovido de plano de saúde.

Quanto se pagava por uma consulta dessas, com vistas diretas para a fundamentação de um pedido administrativo de auxílio-doença no INSS?

 Aí dependia muito da situação do paciente e o escambo estava feito: Deus o abençoe; vai com Deus; obrigado, Portelada, desculpa, Doutor Portelada; se precisar de mais alguma coisa me procure; só Deus pode pagar o senhor, doutor; amém; o senhor é um anjo; …

Se eu pudesse, gostaria que o senhor fosse o meu médico! Desabafavam tantos na cara lavada da sorte. Azar dela!

Infeliz de todos nós que tivemos que nos preparar, na quarentena de perto dez anos que Ele a ele concedeu para nos acostumarmos com a sua ausência, desde a manhã deste dia 09 de setembro, transformada na despedida terrena do humilde médicos dos humildes e orgulho dos que lhe foram contemporâneos de faculdade, de residência médica e do salutar exercício da Medicina.

Perdão, amigo e benemérito Doutor Carlos Portelada!

A ventania dessas últimas horas descobre o seu passado humano e profissional. A fumaça sufocante dos incêndios de canaviais e vegetações ressecadas em fim de estação ajuda a disfarçar as lágrimas que os olhos de meus sentimentos derramam de saudades de você. Ao enxugá-las, meu lenço diagnostica a fratura exposta do trauma de sua anunciada partida e, nessa dor, nos corredores desse universal hospital, grito quebrando o fecho do juramento de Hipócrates, pela vida do Portelada:

“Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.

Dr. Theo Maia

Advogado Previdenciarista (OAB-SP 16.220); sócio-administrador da Théo Maia Advogados Associados; jornalista; influenciador social; diretor do Portal Notícias de Franca; bacharel em Teologia da Bíblia; servo do Senhor.

2 Comentários

  1. “Um amigo fiel é poderosa proteção: quem o encontrou, encontrou um tesouro. Não há nada que se compare, é um bem inestimável. Um amigo fiel é um bálsamo de vida.” Faço minhas as palavras de Eclesiastes!
    Cristina, Deus a conforte, aos filhos, aos parentes e a todos que, realmente, tinham o Portelada como médico, mas como um bom companheiro antes de qualquer coisa.
    Contem com as nossas humildes orações.

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