Colunas

“Agora sou a Lulu da Universal”


Inhaim?

“Vai parar com esse barulho ou vout ter que quebrar tudo?”. Perto do meu barraco tem uma igreja de crente. Pra quê gritar daquele jeito, naquela altura? E pior que sempre tem uma guitarra acompanhando uma mocinha desafinada. Parece que estão estripando um porco. Começa domingo cedo, bem cedinho. Sabe aquela hora boa de dormir no domingo? É nessa hora!
Despois que eu peguei a pomba-gira, fiquei com medo de ser médium e ficar recebendo espírito. Quero não. Vou lá psicografar? Nem sei fazer a letra “O” com o fundo do copo, que dirá escrever carta de morto…
Estava acordada ouvindo crente gritar e pensando nessas coisas da pomba-gira e me veio uma ideia: vou chamar a Lolosa pra ir na Universal. Se não dá pra dormir, pelo menos eu vou gritar junto.
E lá na Universal tudo brilha, tem gente rica, ninguém tem problema. Lolosa topou. Fiz questão de usar óculos de sol que comprei num camelô. Ninguém pisa “ni mim” não.
Uns mocinhos de terno receberam a gente muito bem, fiz bem em colocar os óculos. Que gatos!!! E o pastor berrando, expulsando demônios. Uma bateria numa altura…! Tinha gente que jogava muleta e saía andando. Cego que via tudo de repente. Um paraíso. Definitivamente eu não era a Lulu do Canavial. Era a Lulu da Universal.
Até imaginei aparecer naquelas propagandas da Record com um tanto de gente bem sucedida. Imagina eu, dona de uma butique? “Eu era faxineira, hoje sou dona de uma rede de butiques. Eu sou Lulu do Canavial. Eu sou Lulu da Universal”. Eu ia aparecer de terninho vermelho, dentadura nova pra ficar com um sorriso Scotch Brite, saltão e batom-puta. Até arrepio.

Tinha uma mulher perto de mim que puxou prosa. O sonho dela era conhecer o Templo de Salomão. O meu era arrumar um homem. E tinha um crente de olho em mim mesmo. Começamos a flertar. Orai!!! O homem era careca, tinha olhos verdes, uma barriga grande e parecia um cowboy americano. Piscou pra mim. Orai!!! Era o milagre. Fez sinal com a cabeça para eu sair da igreja e encontrar ele lá fora. “Lolosa, vou ali e já volto”. O homem veio atrás de mim. Lá fora, vi que ele não tinha um dente da frente. Era 1001.
“Qual seu nome?”
“Lulu do Canavial”
“O meu é Tortuliano”
“Você é solteira”
“Tico-tico no fubá”
“Como você é linda. Vamos ali atrás da igreja. Lá o povo trepa e mija”
Com as bênçãos, fui. Só porque vi um cigarro de palha em cima da orelha do Tortuliano. Era a tampa da minha panela. E foi muito rala-e-rola. Orai!!! Eu sou a Universal, alcancei um milagre.
Voltamos para a igreja e eu belisquei a Lolosa: “Dei, Lolosa”.
A bicha ficou fula da vida de inveja. Mas mais fula ficou quando veio o engastalho. Pediram o dízimo! Os crentes queriam dinheiro. Eu, não! Vou dar dinheiro pra essa gente não. A vida tá muito difícil e, além disso, eu já dei pro Tortuliano mesmo. Já consegui meu milagre, ora!
Desisti da Universal.
Eu vou é tomar umas cangibrinas com meu dinheiro. Pelo menos, fico tonta.
Sabe que estou com saudade da pomba-gira? Ela não cobra pra baixar na gente.

Luciene Garcia

É jornalista e criadora da personagem Lulu do Canavial.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo