Opiniões

Bolo de amora

No dia 08 de junho a vida da minha mãe se transformou drasticamente por causa de um AVC (acidente vascular cerebral). Antigamente se dizia ‘derrame’ e no caso dela esse ‘derrame’ realmente ocorreu. Na tomografia é possível ver como o cérebro foi lesionado por causa do AVC. Por que ocorreu é a pergunta do “milhão”. Pode ter sido por um motivo, ou pelo outro, como me explicaram três médicos neurologistas – o que deu alta do hospital, o que acompanhava ela em consultório, o particular para quem levei todos seus exames.

Queríamos ter certeza que estávamos fazendo tudo certo. Após dois dias e meio na UTI e alguns dias no quarto chegou o dia de ir para casa. Um misto de pânico e felicidade tomou conta da família naquele dia. Paralisada do lado esquerdo, percebemos que os problemas seriam maiores do que imaginávamos. Mas mesmo assim, estávamos confiantes na recuperação. Ela voltou para casa diferente. Acamada, com sequelas, com sonda para alimentação e na visão médica, em cuidados paliativos. Para a família, não. Ela estava em recuperação. Afinal, conhecia todo mundo; tinha resposta pra tudo; sabia que estava em casa.

Conhecia os netos; lembrava que tinha galinhas no quintal; falava com os irmãos em São Paulo. Recebeu poucas visitas, por causa da pandemia, mas sabia o nome de todas as pessoas. Fazia fisioterapia a contragosto, como todo paciente pós-AVC.  Mas vieram as infecções e essas são cruéis com os idosos. Assim no dia 03 de setembro, depois de 15 dias no hospital, sua estrela se apagou. Morreu aos 75 anos, mas poderia ter vivido mais. Teve um enterro digno. Não foi enterrada no saco preto que era seu maior medo. Mas de roupa branca, brilhante e com bastante flores sobre a urna. Familiares e amigos vieram para a despedida que, aliás, não é fácil, mas faz parte da vida. No período pós-AVC lutamos para livrar-lhe da sonda. A retirada permitiu que se alimentasse um pouco. Tomou sorvete e comeu pudim, doces que não rejeitava. Faltou o ‘bolo de amora’ que nos pediu quando deixamos o hospital.

Soraia Veloso

Doutora em Serviço Social, especialista em estudos sobre mulheres e escritora. @soraiavelosocintra

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