Opiniões

Gravidade

Era terça ou quarta-feira, não me lembro bem, acordei cedo e com um resto de cansaço do dia anterior. Deitara tarde e as poucas horas de sono não me foram suficientes. Após breve aquecimento, flexionando cada um dos joelhos contra o peito, atirei as pernas para fora da cama e com um salto pus me de pé. Na verdade, não foi com tanta facilidade, mas foi mais ou menos isso. Um conjunto de bolotas flutuantes em líquido nos ouvidos (o labirinto) cuidou do equilíbrio do corpo. E a gravidade fez o resto. Apenas o cansaço residual tornava a gravidade perceptível, fazendo o corpo pesar mais do que de costume. Só podia ser isso. Fui para a cozinha preparar o café. Colocada a cafeteira italiana no fogo, cuidei de lavar umas louças que jaziam na pia. Ao pressionar a bucha ensaboada contra uma xícara de porcelana, esta escapou-me das mãos e se estatelou no fundo da cuba, espirrando água pra todos os lados. Notei claramente a força gravitacional atraindo-a para o fundo da pia. Como a pressão dos meus dedos e da bucha de sabão forçou a xícara para o lado esquerdo, a resultante da pressão de escape com a gravidade foi a descrição de uma parábola no ar antes de mergulhar na cuba. Ainda percebi os efeitos da gravidade na água que subiu com o impacto da xícara na sua superfície, mas desceu rapidamente molhando o chão. E me ocorreu que se não fosse essa força misteriosa, a xícara teria ido embora flutuando em direção à porta e talvez eu a perdesse para sempre… Naturalmente, se não fosse essa força estranha, a água nem sairia da torneira, porque ela vem da caixa que está na laje da casa por gravidade… Nem a casa poderia ter as suas portas e janelas abertas o tempo todo, porque senão o vento tocaria todos os móveis e utensílios para fora.

A rigor, sem a força gravitacional nem mesmo haveria ventos, a não ser que a Natureza inventasse outro motivo para o deslocamento do ar que não fosse a troca de posição entre o quente que sobe e o frio que desce, por ser este mais pesado. Nem mesmo haveria vida na Terra, porque o planeta não seguraria água nem a atmosfera na sua superfície, essenciais para que ela se desenvolva. Pra valer mesmo, sem força gravitacional não haveria planetas, nem estrelas, por falta de causa para o movimento da grande quantidade de matéria espalhada pelo Universo. Porque não haveria causa também para que essa matéria solta no espaço se aglutinasse em forma de esferas e que, girando se comprimisse em direção ao seu centro de gravidade e se aquecesse até acender as estrelas… E ainda, sem gravidade não se formariam as outras esferas com material não inflamável, como os planetas do Sistema Solar, entre eles, a Terra.

Quem já leu Isaac Asimov, Carl Sagan, Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, Stephen Hawking ou Marcelo Gleiser, grandes divulgadores de ciência para leigos, já não acredita que seja óbvio que “as coisas caiam pra baixo”. Pelo menos sabem que há uma lei da gravitação universal, formulada pelo inglês Isaac Newton, em 1687, que a grosso modo é a força de atração a que estão submetidos todos os corpos que têm massa. E que por isso podem até fazer suas descobertas científicas. Eu, por exemplo, acabei de descobrir interessantes efeitos da gravidade sobre aposentados recentes. Há alguns dias fui a uma drogaria comprar um hidratante, por conta da baixa umidade do ar que estamos enfrentando, e resolvi usar um equipamento que fica à disposição dos fregueses ao lado da porta e que serve para medir a força da gravidade na Terra (para nós, amadores): uma balança. E fiquei assombrado: essa força vem aumentando sobre a minha massa corporal à razão de 1000 g por ano de júbilo!

Dr. José Borges

Advogado (Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca); especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e em Direito Ambiental. Foi Procurador do Estado de São Paulo de 1989 a 2016 e Secretário de Negócios Jurídicos do Município de Franca. É membro da Academia Francana de Letras.

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