Opiniões

Quase uma conversa de bar…

Por Maurício Buffa

No último sábado, recebi a ligação de um grande amigo. Sua voz estava animada, em tom de sorriso largo. Disse ter combinado uma live com outros dois amigos em comum, uma boa desculpa para esticar a noite saboreando um bom vinho e experimentando novas ideias.

Praticamente, obrigou-me a participar. Como sou “facinho” para encontros, não pensei duas vezes. Abri meu computador, peguei uma garrafa de vinho e puxei aquela taça de quase cristal, com a qual acompanhava meu pai em nossas noites de prosa (recordações que hoje ajudam a encorpar o vinho).

Todos a postos, a primeira providência foi o brinde a distância. Começamos com as amenidades da semana, falamos um pouco das famílias, passamos um pouquinho pela nostalgia daquele passado que nos uniu e fomos aquecendo os assuntos conforme o passar das horas e do vinho.

Mesmo sem aquele delicioso burburinho de vozes competindo por espaço, parecia até que estávamos em um bar de verdade, onde as conversas são sempre mais animadas. Os sorrisos foram ficando mais largos, nossas ideias já sonhavam revoluções invencíveis e as almas mais leves já deixavam para trás aquele peso enorme do cotidiano.

Mas, de repente, o tema da pandemia invadiu nossa “mesa”. Os tons de vozes, mesmo na distância das lives, começaram a se alterar, ora assumindo posturas mais ríspidas, ora retornando à tonalidade ideal da amizade. Quando percebemos, estávamos divididos, metáfora triste de nossa realidade atual.

De um lado a defesa do isolamento social, de outro o problema da economia. Um argumentava que não adiantava parar tudo, porque ninguém estava respeitando. Outro afirmava ser esse o problema, o egoísmo social. E assim o tom foi crescendo. Muito mimimi pra cá, negacionismo pra lá, ciência, vacina, falta de liderança, corrupção e todo o resto que permeia quase todas as discussões hoje em dia.

E assim as opiniões foram ganhando força, assumindo aqueles ares plenos de certezas. A energia que escorria pelos copos recarregava os tons das palavras, fazendo com que os ânimos se acirrassem. O bom é que a amizade falou mais alto. Quando percebemos a encruzilhada, resolvemos seguir caminhos alternativos. Com um pouquinho de ressentimento no ar, partimos para o futebol e outras amenidades. E fomos por aí até a despedida, já com a noite bem avançada.

Quando desliguei o computador, ainda com vinho em minha taça de quase cristal, fiquei pensando sobre tudo o que conversamos. Tirados os exageros do calor da hora, os argumentos de ambos os lados me pareciam bem embasados. Quanta gente não está sofrendo com o isolamento? Quantas empresas não estão fechando por conta disso? Quanto desemprego? Por outro lado, quantas pessoas não poderiam sobreviver caso o isolamento fosse respeitado?

Entre um gole de vinho e tantos pensamentos, lembrei-me do contrato social, aquela condição invisível que nos permite viver em proximidade. De forma bem resumida, é possível dizer que para se viver em sociedade as pessoas precisam abdicar de parte de sua individualidade em favor da coletividade. Delegamos a uma entidade maior (o governo) parte de nossa subjetividade para que possa haver normas e regras que direcionem o que pode ou não ser feito por todos.

Não podemos ignorar isso. Se vivemos juntos, precisamos cuidar uns dos outros. Não podemos deixar ninguém para trás, não importa idade, comorbidades, raça, sexo ou qualquer outra coisa. Se um parceiro está em perigo, precisamos ajudá-lo, independentemente do que precise ser feito. Se perdermos esse sentido, creio que corremos o risco de voltarmos aos tempos do “cada um cuida de si”, onde a força vale mais que as regras. Tempos difíceis.

Mauricio Buffa

Especialista em generalidades. Muitos anos de estudo e trabalho, desafiando ideias e colhendo incertezas. Cada vez mais convicto de que o universo é uma harmonia de contrários!

3 Comentários

  1. Escreve como quem conversa! Senti falta dos “furdunços e entreveros” me deliciando com esse divertido, porém reflexivo texto. Uma época que vem nos obrigando a rever muita coisa… Inclusive antigas amizades.

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