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Entenda o que é a Lei Paulo Gustavo e por que não trava orçamento de Mario Frias

Enquanto a oposição tenta emplacar uma nova lei de auxílio emergencial para o setor cultural, batizada Lei Paulo Gustavo, Mario Frias protesta contra a medida. O secretário especial da Cultura diz que, caso o projeto seja aprovado, “todos os projetos culturais que estão com apoio do governo federal serão interrompidos, por falta de recursos”.

Especialistas, no entanto, apontam inconsistências na fala de Frias. Isso porque, na prática, ele e sua Secretaria Especial da Cultura não podem usar as verbas que o projeto de lei pretende acessar.

“Argumentar que essa lei vai impedir o andamento dos projetos é incorreto”, afirma Renato Dolabella, professor e advogado especialista em direito cultural. “A aplicação mais frequente das políticas federais de cultura não é com recurso direto. O Fundo [Nacional da Cultura], historicamente, fica com o dinheiro parado. O que você tem para execução de projetos na alçada da Secretaria Especial da Cultura é principalmente dinheiro de captação incentivada, do mecenato.” Além disso, o outro principal fundo cultural que o PL mira fica soba a asa da Ancine, a Agência Nacional do Cinema.

A Lei Paulo Gustavo quer destravar parte dos recursos do Fundo Nacional da Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual, fundos públicos voltados para o fomento do setor cultural. Uma parcela do dinheiro desses dois fundos públicos, do superávit financeiro, fica represado devido à Lei de Responsabilidade Fiscal -a Lei Complementar 101-, que obriga a União a cumprir metas que limitam o déficit, entre outras exigências. Ou seja, o dinheiro está lá, mas grande parte dele não é destinado a políticas culturais.

Só que essa mesma lei 101 diz que “não serão objeto de limitação as despesas relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico”.

O que a Lei Paulo Gustavo pretende é, nos moldes do que acontece com inovação e ciência, livrar os fundos do setor cultural das tais “limitações de despesas”, que impedem que parte dos recursos do FNC seja executada -seja por Mario Frias ou por quaisquer outros entes da política pública cultural.

“Há muitos casos de fundos que são superavitários, mas que não têm a execução da política pública na proporção do dinheiro que está lá”, afirma Renato Dolabella.

Ademais, o fantasma da PEC dos Fundos, de Paulo Guedes, atropelada pela pandemia, ameaça ficar com esses recursos de vez. Essa proposta de emenda constitucional propõe o uso do dinheiro estacionado nos fundos públicos para o pagamento da dívida pública.

Além disso, Frias, nas atuais condições de temperatura e pressão, ainda teria dificuldade de executar o dinheiro que a Lei Paulo Gustavo mira porque poderia esbarrar na emenda do teto, que limita gastos do governo. Ou seja, se a Lei Paulo Gustavo não vingar, dificilmente esse dinheiro será repassado ao setor cultural. E, caso vingue, não deve afetar o orçamento de Frias negativamente.

Só que a medida iria além. A ideia é que esse dinheiro liberado seja executado por estados e municípios, assim como aconteceu com a Lei Aldir Blanc. No ano passado, esta última representou um aporte sem precedentes ao setor cultural brasileiro. Foram R$ 3 bilhões destinados aos estados, Distrito Federal e municípios.

Neste ano, veio a constatação de que o coronavírus não daria trégua tão cedo. Atingimos a marca de 500 mil mortos, enquanto setores como a cultura ainda enfrentam uma série de restrições num cenário em que mecanismos que poderiam facilitar o direcionamento de dinheiro não existem mais –o estado de calamidade pública e o chamado orçamento de guerra.

Um especialista diz acreditar que o embate em torno da Lei Paulo Gustavo, mais do que um debate orçamentário, tem tonalidades profundamente políticas. Caso o projeto tivesse sido costurado por um partido de centro, possivelmente encontraria menos pedras no caminho, ele diz. Só que o projeto de lei complementar Paulo Gustavo é de autoria de um grupo de senadores formado, em sua maioria, por petistas.

Segundo o advogado Renato Dolabella, é preciso aprender com a experiência da Lei Aldir Blanc, mirando também os percalços pelos quais a execução dela passou. Existem casos de estados e municípios em que o dinheiro ainda não chegou a todos da ponta final do setor –aos profissionais da cultura. “Naquela incerteza toda que se gerou, teve município que recusou os recursos da Lei Aldir Blanc. Poderia ter sido executado, ajudado a população local.”

“Essa demora tem a ver com a nossa cultura burocratizante, com a nossa cultura jurídica. Quando a Lei Aldir Blanc saiu, era uma situação nova, mas muitos órgãos públicos enxergaram aquilo com as regras burocráticas habituais, que não são construídas na lógica emergencial”, diz Dolabella. “É muito importante que os órgãos de controle, Ministério Público, Tribunal de Contas, tenham consciência do que é efetivamente uma lei emergencial.”

Nesse contexto, a avaliação de grande parte do setor cultural é de que a gestão Mario Frias mais trava o andamento dos mecanismos de fomento do que ajuda na recuperação da crise. Daí a necessidade, defendida pela oposição, de descentralizar a execução dos recursos para a Cultura, a serem executados por estados e municípios. Alguns episódios confirmam essa percepção.

Em março, por exemplo, Frias suspendeu, por 15 dias, a análise de propostas de Lei Rouanet para artistas de cidades que adotaram medidas de restrição circulação. O secretário de Fomento, o PM André Porciuncula, não lançou até hoje um edital que escolheria os membros da comissão responsável por sanar dúvidas e dar o sinal verde ou não para projetos culturais a serem incentivados. Com isso, cabe só a Porciuncula a decisão final sobre um projeto que pretende captar via Rouanet.

A Ancine, enquanto analisa prestações de contas de quase 20 anos atrás, teve uma diminuição considerável nos editais de fomento direto ao audiovisual, desde o início do governo Bolsonaro, levando a uma quase paralisia do setor do audovisual.

No início do ano, Mario Frias comemorou em suas redes sociais uma decisão da Justiça que teria barrado a liberação de “R$ 700 milhões da Lei Rouanet”. Além de apresentar um dado errado, o secretário demonstrava encarar como positiva uma suposta diminuição de recursos para o setor cultural –o que muitos de seus seguidores chamaram de mamata, na ocasião.

Não por acaso, circula entre opositores do governo Bolsonaro, mas também em círculos de direita não bolsonaristas, a máxima que a gestão Mario Frias é “inimiga da cultura”.

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