Variedades

Hans Ulrich Obrist, curador todo-poderoso, entrevista Emicida e estrelas da arte

Hans Ulrich Obrist, diretor artístico das galerias Serpentine, em Londres, e um dos nomes mais influentes da cena global, também interrompeu sua agenda agitada de viagens pelo mundo por causa do coronavírus. Nesse último ano, os encontros frequentes com artistas em aviões, aeroportos, ateliês e museus dos quais nasciam as entrevistas de seus livros pararam de acontecer pela primeira vez em sua carreira —e parte das conversas do segundo volume das suas “Entrevistas Brasileiras”, lançado agora pela editora Cobogó, aconteceu pelo Zoom. “No início, quando começou o lockdown, estava pensando como poderia continuar meu trabalho, porque basicamente tudo o que faço brota das visitas aos ateliês”, conta o curador suíço, também por videoconferência, de Londres. “Desde os anos 1990, sempre fiz isso. E, obviamente, não estava habituado a visitar ateliês com o uso de tecnologia, eu ia fisicamente a esses espaços.”
As conversas para esse novo volume foram feitas a partir de 2014, com nomes aclamados da arte brasileira, como Ernesto Neto, Adriana Varejão, Rosana Paulino, Nuno Ramos e Emicida.

O primeiro livro de entrevistas brasileiras, publicado em 2019, reunia figuras centrais do pensamento estético do país do século 20, como Oscar Niemeyer, Caetano Veloso, José Celso Martinez Corrêa e Lygia Pape. Desta vez, todos os 30 entrevistados nasceram a partir de 1959, um ano antes da inauguração de Brasília, e o curador voltou seus olhos para uma nova geração das artes plásticas do país —por videoconferência, ele entrevistou Maxwell Alexandre e Jota Mombaça, a mais jovem do grupo.

“O Zoom nunca substitui o encontro presencial, mas é possível ver muita coisa quando o próprio artista anda pelo ateliê com seu celular. Isso também me permitiu ir a muitos lugares que, em outra situação, eu não teria a possibilidade de ir”, conta Obrist. “Percebi que, nas minhas viagens, eu ia praticamente sempre a grandes cidades. Vivo em Londres e ia a Paris, Nova York, São Paulo, Rio de Janeiro. Percebi que uma quantidade considerável de artistas vive no interior ou em cidades menores. Por causa do Zoom, talvez seja possível fazer uma pesquisa mais descentralizada.”

São os casos, por exemplo, das conversas com o artista Paulo Nazareth, conhecido pelas andanças pelo globo, que estava em Palmital, no interior de Minas Gerais, e de Isael Maxakali, indígena tikmu’un que concedeu sua entrevista na Aldeia Nova, em Ladainha, no mesmo estado. Os assombros políticos e, por consequência, sanitários que se tornaram ainda mais pungentes no Brasil do ano passado já permeavam as conversas, realizadas antes da pandemia —e até do governo de Jair Bolsonaro.

Em outubro de 2018, o artista plástico Luiz Zerbini já dizia ao curador que estávamos “perto de eleger a estupidez”. “Mais uma vez a direita vai ganhar plantando notícias falsas. Poderíamos dizer que este é um novo tipo de democracia?” “A situação por aqui está ficando mesmo muito sinistra. Veja bem, como pode sair impune o deputado Jair Bolsonaro, que ao votar pelo impeachment de uma presidente —democraticamente eleita e sem crime de responsabilidade— presta homenagem a um torturador, em plena Câmara dos Deputados?”, diz ainda a artista Rivane Neuenschwander.

Outras urgências de nosso tempo que ganharam ainda mais destaque no último ano, como o racismo com o movimento Black Lives Matter, estão na boca dos entrevistados. O número de artistas negros, inclusive, é bem superior ao do primeiro volume —foi de um para oito.

Rosana Paulino lembra que não teve mentores e que a arte negra não era discutida no Brasil quando começou sua carreira. Segundo ela, o último a levantar essa questão foi o artista plástico Emanoel Araújo, um dos entrevistados no primeiro volume da série. “A realidade é que o Brasil está extremamente atrasado nesse sentido, e os sujeitos negros, negras e indígenas estão vindo aí estão pressionando o sistema para que ele se abra a essas discussões”, diz ela ao curador suíço. Paulino celebra, no entanto, uma mudança. Diz que artistas, hoje, já têm como referência outros artistas negros.

Obrist ainda diz, no livro, que tem pensado durante a pandemia sobre o que aconteceu nos anos 1930, durante a Grande Depressão nos Estados Unidos, quando o governo comissionou obras de milhares de artistas. Ele afirma que esse é um momento importante para pensar em como trazer a arte para a sociedade. “Não podemos esquecer que os lugares onde exposições são tradicionalmente apresentadas são, na verdade, invisíveis para uma grande parcela da sociedade”, diz. “É importante também levar a arte para as pessoas que não vão a elas. Precisamos de outros modelos de exibição.”

Criar novos espaços e projetos artísticos parece, inclusive, movimentar as perguntas que aparecem para quase todos os entrevistados de Obrist —são reflexões sobre utopias e projetos não realizados. “É muito importante pensar no que seriam instituições que podem endereçar essas urgências. E claro que Édouard Glissant é fundamental nisso, porque ele imagina um museu da Martinica, que é também um projeto irrealizado”, conta Obrist, sobre o escritor francês morto há dez anos que ele considera seu mentor e ao qual se refere constantemente nas conversas.

Ele mesmo tem seus trabalhos não realizados nessa série de entrevistas. Além de toda uma geração de artistas jovens brasileiros que ele diz ainda querer conhecer, o curador lembra o desejo de falar com o escritor Raduan Nassar.
Outros dois encontros, no entanto, ficarão no plano do desejo —os com João Gilberto, que ele afirma ter tentado contatar quando o criador da bossa nova ainda estava vivo, e com Hélio Oiticica, que já havia morrido quando Obrist iniciou seu projeto. E, se as entrevistas brasileiras parecem atravessadas pelo desespero com o descontrole da pandemia no país e a escalada de governos autoritários em nível global, nelas também transparece o desejo de retomar e reconstruir o país pela arte.

Jota Mombaça enfatiza que é importante repensar a ideia que se tem de Brasil. Emicida, que ilustrou a capa de seu último disco, “AmarElo”, com uma fotografia de Claudia Andujar, artista entrevistada no primeiro volume, diz que “o Brasil pelo qual a gente aprendeu a se apaixonar, o Brasil que a gente acredita ser possível, ele é o Brasil que bebeu na negritude como elemento civilizatório”. Numa espécie de passagem de bastão, Obrist também pede aos artistas um conselho para os mais jovens. “Aconselhar um jovem artista? Poxa, sou péssimo para conselhos, mas acho que qualquer visão antiterraplanista é bem-vinda”, respondeu Arjan Martins.

HANS ULRICH OBRIST: ENTREVISTAS BRASILEIRAS VOL.2

Preço R$ 80 (432 págs.)

Autor Hans Ulrich Obrist

Editora Cobogó

QUEM SÃO OS ARTISTAS DO NOVO VOLUME DE ENTREVISTAS COM BRASILEIROS DE HANS ULRICH OBRIST

– Luiz Zerbini
– Arjan Martins
– Fernanda Gomes
– Nuno Ramos
– Carlito Carvalhosa
– Jac Leirner
– Adriana Varejão
– Denise Ferreira da Silva
– Ernesto Neto
– Karim Aïnouz
– Rivane Neuenschwander
– Rosana Paulino
– Ayrson Heráclito
– Erika Verzutti
– Laura Lima
– Renata Lucas
– Cinthia Marcelle
– Sandra Benites
– Adriano Costa
– Carla Juaçaba
– Paulo Nazareth
– Eryk Rocha
– Isael Maxakali
– Bárbara Wagner e Benjamin de Burca
– Jonathas de Andrade
– Lucas Arruda
– Emicida
– Vivian Caccuri
– Maxwell Alexandre
– Jota Mombaça

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo